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Infância líquida: a criança na era contemporânea - parte II

Montessori

A verdadeira resposta para questão final da primeira parte deste texto é assustadora para muitos: Se queremos evitar que a infância atual seja prejudicada - talvez de forma irreversível - pelo tipo de mundo que conscientemente construímos e escolhemos para viver, é preciso mudar o mundo.

Parece difícil demais, não? E de fato é, se pensarmos na mudança abrupta que isso exige em termos de cultura, economia, relações sociais e tudo o mais. Porém, não é tão apavorante quando pensamos que é impossível mudar o mundo inteiro de uma só vez. E talvez a ideia soe até reconfortante, se pensarmos que só é possível mudar o mundo mudando aqueles que fazem o mundo: nós. E nessa situação específica, ou seja, no intuito de criar ambientes mais saudáveis para nossos filhos, podemos fazer muito, muito mesmo, na direção de um mundo melhor. Basta compreendermos as necessidades infantis. Para isso, precisamos lançar mão de estratégias simples, mas eficazes, a começar pelo exercício da empatia.

A inspiração para este texto vem de uma leitura que consideramos fundamental: as reflexões de nosso amigo e educador especializado em Montessori, Gabriel Salomão, sobre o tal “estado líquido” da infância atual. Gabriel escrevia em 2014, mais ou menos três revoluções tecnológicas atrás (de acordo com a “Lei de Moore”, a capacidade de processamento e a geração de informação dobram a cada dois anos). Na época, víamos as primeiras consequências do estilo de vida que temos adotado nos últimos 25 anos, e Gabriel, muito acertadamente, descrevia 5 pilares nos quais devemos embasar nosso esforço em busca de uma infância mais saudável na era da informação. Reproduzimos estes pilares abaixo, como complemento ao nosso próprio texto, e por acreditarmos que eles são, em si mesmos, excelentes pontos de partida para entender o que se passa e buscar soluções:

1. Laços – Pelo que pude pensar até o momento, isso se dá muito mais na escola que em casa. Exige-se da criança, no ambiente escolar, que rompa relações com uma brutalidade ímpar. Ao final de um ano escolar, uma criança pode ser aprovada ou repetir. Se é aprovada, vai para a sala seguinte com todos os seus colegas, ou quase todos eles, mas é forçada a deixar para trás o professor (ou professora, quase sempre) que admirava ou a quem se afeiçoou. Se é reprovada, talvez continue com a mesma professora, mas deve então abandonar todos os seus colegas. Em um tempo no qual as salas eram conjuntas – como são ainda nas zonas rurais – ou quando as crianças de uma mesma escola moravam bem perto e brincavam juntas, isso era um problema, mas não afetava necessariamente os laços. Hoje, num tempo no qual se vai com frequência da escola para casa e da casa para a escola, ou para ainda outras atividades extraescolares, o rompimento de laços é uma tristeza recorrente. Vale ainda dizer: segundo o Laboratório de Desenvolvimento Infantil de Harvard, ter o mesmo cuidador por mais anos é positivo para o desenvolvimento de algumas funções cruciais no cérebro da criança.

2. Mudança de local – Para nós, adultos, mudar pode ser renovação, pode ser sinônimo de novos ares, de esperança e de oportunidades. Para a criança, mudança é uma coisa só: confusão. Mudar o tempo todo, viajar sem avisar, ou viajar demais, geram confusão na mente da criança. Ela está tentando formar um retrato mental de seu mundo, entender o lugar de cada coisa, o que é adequado e o que não é, como se mover no espaço. Repare que a criança pequena esbarra em muita coisa. Ter a mobília sempre no mesmo lugar é um alívio para quem está aprendendo a se movimentar. Mudar as coisas, que para nós é cada vez mais essencial, é danoso para a criança pequena. De novo aqui, Harvard diz que ambientes estruturados e previsíveis ajudam no bom desenvolvimento cerebral dos pequenos.

3. Rotina – O medo moderno da permanência no mesmo lugar se estende à rotina. Temos medo de fazer tudo igual para sempre, embora inúmeras gerações tenham nos precedido e construído a civilização exatamente assim – repetindo incansavelmente a mesma coisa, e melhorando lentamente. Nosso medo da rotina nos leva a uma flexibilidade considerável, mas leva a criança a uma instabilidade quase total – ao ponto de algumas famílias buscarem escolas para as quais as crianças possam ir só quando necessário, transformando a escola, mais ainda, em um depósito sempre à mão para as crianças. Como nossa liberdade não pode ser travada pelas necessidades dos pequenos, e como as restrições que eles nos colocam são cada vez menos aceitas, ou entram conosco num imprevisível tabuleiro de mudanças ou são relegados a outros cuidadores, que possam fazer tudo sempre igual. A rotina, sabemos, é um dos pilares da construção da personalidade da criança.

4. Coisas – Nossa sociedade trocou, em grande parte, experiências por coisas. Ao extremo de haver hoje, companhias que vendem experiências, em caixinhas mesmo, você compra em livrarias. Mas mais do que isso, nós hoje precisamos ter comprado para ter vivido. Quantas vezes, entre adultos, dizemos que “não fizemos nada” no final de semana, porque não saímos de casa? Não é real. Descansamos, assistimos televisão, cuidamos das crianças, cozinhamos em família… Com as crianças é igual. Colocamo-las em inúmeras atividades diárias, além da escola, que começa cada vez mais cedo, e quando estão em casa damos a elas brinquedos e mais brinquedos, para que não corramos o risco de elas decidirem brincar com as coisas de adulto. Nossas panelas, batatas, roupas, toalhas, caixas em geral que são sempre tão mais interessantes do que os multicoloridos encaixes sonoros de plástico que lhes oferecemos. Precisamos com alguma urgência realizar um esforço intenso e parar um pouco, e valorizar um pouco mais de perto, um pouco mais de verdade, um pouco mais… As experiências em si. O que a criança faz, e não com o que ela faz ou o que é que ela tem.

5. Nossa Liberdade – A liberdade é hoje nosso bem maior e mais precioso. A liberdade de podermos fazer o que quisermos e quando quisermos, e de não precisarmos oferecer explicações de nossas atitudes a nenhum outro membro do corpo social. Uma criança, porém, é um membro do corpo social que, de alguma maneira, sempre nos exige explicações. Se mudamos algo, se estamos ausentes, se a submetemos a ambientes inadequados à sua pouquíssima idade, ela nos exige explicações: chora, tem insônias, fica ansiosa, tensa, triste, agitada. A criança não nos permite um passo em falso sem uma reação. Mas nos perdoa a todos os passos em falso tão rápido quanto pode. Para que não precisemos abrir mão de nossas liberdades, lançamos mão de escolas em período integral, cuidadores, incontáveis atividades extraescolares sob o pretexto de um preparo para um mercado de trabalho que sequer sabemos como estará quando nossas crianças forem adultas, e do qual não sabemos se elas participarão. E lançamos mão de telas eletrônicas em todos os lugares. Uma grande, na sala, uma menor em cada cômodo da casa, e uma portátil, para salas de espera, transportes, aeroportos, encontros com amigos. Nossos aliados são alienantes. Nos permitem nossa intensa liberdade sob pena de uma carga de responsabilidades e stress que infância alguma deveria enfrentar, ou sob a condenação da capacidade de atenção de uma criança pequena, já que sabemos hoje quão mal faz a televisão aos cérebros de nossos pequeninos.

Após descrever estes pilares, Salomão fecha o texto de modo brilhante, em uma conclusão irretocável:

“A modernidade líquida vem condenando a criança de uma forma distinta daquela usada pelas fases anteriores da história. Mas agora nós temos algo a nosso favor: temos amplo acesso à informação, e podemos saber o que estamos fazendo. Montessori nos disse, em Mente Absorvente, que suas descobertas e a mudança que propunha seriam uma revolução sem igual, talvez a última revolução, e não deixaria de transformar nenhum aspecto de toda a sociedade. De fato, se enxergamos nas descobertas de Montessori algo acertado, é uma responsabilidade imensa e uma série consideravelmente grande de desafios que precisamos enfrentar. Mas temos a vantagem de poder assistir, dia a dia, o tempo todo, cada um dos pequenos e imensuráveis resultados de nossa mudança de atitude. A criança merece que nós abramos mão de um pouquinho de nossa liberdade, e ela merece ser preservada do mal-estar inerente à modernidade líquida, tanto quanto possível. Ela nos mostrará a recompensa de nossos esforços de várias formas. Algumas imediatas e mais perceptíveis talvez sejam sua respiração tranquila, seu rosto sorridente e seu olhar, genuinamente feliz”

Dividimos com ele esta compreensão dos fatos, e é ela que queremos compartilhar com todos os membros de nossa comunidade escolar: lutemos juntos por uma infância verdadeiramente livre e que tenha na felicidade seu maior objetivo.

 

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